Meninas e Meninos
A cozinha pequena estava enevoada pelos vapores das panelas que borbulhavam e chiavam no preparo do almoço. A moça que ali se encontrava seguia cantarolando mesmo com os respingos de óleo, ela havia sorrido enquanto cortava as cebolas e desta vez não se incomodou com a gordura que ensebava sua mão. Hoje, sete de março, era seu aniversário.
Nas folhas abarrotadas do diário que guarda embaixo do colchão rabiscou planos e expectativas para essa data, esperava que seu namoro finalmente virasse noivado. Ela, Ana das Graças, se tornaria Ana Peixoto ainda esse ano, escreveu com caligrafia redonda e floreada.
Do outro lado da cidade Marcos Peixoto esbravejava maldições a todos os santos e demônios porque seguia perdendo no dominó. Depois que metade do seu dinheiro pagou as apostas e o resto foi bebido em cachaça levantou-se cambaleante do banquinho.
Ou me rogaram praga ou esse jogo está roubado, vou me benzer e da próxima trazer a peixeira. Após suas ameaças costumeiras ele saiu do Clube Gávea trôpego, era frequentador assíduo, mas acima de tudo um homem de rotina. Nunca lembrava de passar pela igreja e pedir a benção e a peixeira ficava esquecida atrás da porta. Anunciou com xingamentos a chegada em casa ao tropeçar no tapete da sala.
Menino, vai comer para esse álcool sair. Marcos ignorou a mãe e seguiu direto para o quarto, deitou sem se dar ao trabalho de tirar os sapatos. Hoje em nenhum momento falou o nome da namorada.
Segundo o dicionário:
Devaneador, adj. e s. m. Que, ou aquele que devaneia; sonhador.
Devanear, v. tr. dir. Imaginar, fantasiar, sonhar; intr. delirar; dizer ou imaginar coisas sem nexo; desvairar; tr. ind. cuidar, pensar. (De de+lat. vanu.)
Devaneio, s. m. Ato de devanear; sonho; fantasia; delírio, divagação; quimera.
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