terça-feira, 25 de agosto de 2009

Dialógos e lacunas (talvez)

Um telefone toca algumas vezes antes de um homem atendê-lo.

-Alô?
-Oi, sou eu, fala uma voz feminina e conhecida.
-Hm. Diga.
-Já sabe que vou fazer uma macarronada?
-Ouvi algo do tipo.
-Pois é alguns amigos pediram e vou fazer.
-Quando será?
-Ah. Ainda não marquei o dia exato, tô meio sem grana. São as trevas, ela ri.
-Sei.
-Por falar em trevas de onde estou posso vê-la, bem hipnotizante se quer saber.
-Como assim?, ri nervosamente.
-Entenda de todas as maneiras possíveis e nenhuma estará errada. Mas falo da minha janela, não consigo enxergar nada através dela, uma escuridão total.
-Ah. Certo, ele não havia pensado em nada.
-É um marco se quer saber, afinal na maior parte das vezes o que digo tem um significado bem específico. Mesmo que dê margem a inúmeras interpretações.
-Sempre e sempre, amém.

Breve silêncio. Ela pergunta:
-Como está a sua mãe?
-Bem de forma geral, tem gastado mais dinheiro com rémedios agora que descobriu ter reumatismo.
-Hm. Espero que ela melhore, a minha 'tá viciada no joguinho do celular. Consigo ouvir o barulho que vem do quarto ao lado... Meu irmão teve uma crise histérica hoje.
-Como foi isso?, interroga instantaneamente.
-Ele tinha comprado... Eu sei que você não quer ouvir tudo. Ele apenas enlouqueceu. Minha mãe conseguiu acalmá-lo prometendo pizza.
-Ele não vai crescer nunca...
-Pois é... Você já provou da pizza de cheddar que vende perto da prefeitura?, questiona com certa animação.
-É meu sabor favorito de lá, diz entediado.
-Muito bom, não é? Mas só consegui comer uma fatia.
-Aguento umas três ou quatro, não como muito.
-Eu não consegui comer mais porque já tinha comido alguns biscoitos, balas e tomado refrigerante.
-Entendo. Seu regime desmoronou mesmo.
-É. Se chama depressão mais casa da mãe. Sempre me fodo nesse negócio, resmunga.
-É... Também não estou numa fase muito boa, fala indiferente.
-Mas falo a verdade. Quando estava depressiva no apartamento não queria sair para comprar comida então ficava uns dois dias comendo do pouco que tinha na geladeira. Na casa da minha madrasta era ainda melhor porque eu nem saia do quarto, mas aqui minha mãe faz questão de encher a porra da geladeira. No seu caso não tem o que se preocupar, vai passar logo. Sua intensidade permite você a gozar das coisas mais facilmente.
-De fato. Quanto a isso eu nem mesmo posso discordar.
-Bom você concordar comigo de vez em quando.
-É.

Silêncio. Ela interrompe brusca:
-Porra! O pessoal fica me cobrando macarronada. Não quero fazer não. Nem queria sair de casa esses dias, pra falar a verdade, termina num murmúrio.
-Você não precisa sair de casa pra fazer macarronada, é só uma dica. Se quiser podíamos marcar um dia que sua familia não estivesse, pra nós dois.
-Nem vai ter mais esse dia... Aconteceu quinta, agora só próximo mês, meu irmão terá uma consulta. E eu teria que ir comprar o material de todo jeito, fala de forma vaga.
-Cacete. Você tá mal mesmo, ele diz sério.
-Já tinha dito. Só não estou pior porque naquele dia falei minhas, como vocês chamaram?, "merdas". Queria beber de novo, mas sei que já não seria esse tipo de libertação que aconteceria, e também percebi que o meu público tem que ser outro. Embora eu não saiba exatamente qual deveria ser, ela ri nervosamente.
-Enfim... Acho que você deveria tomar algum calmante antidepressivo. Tem uns naturais que são legais.
-Não gosto de remédios, você sabe.
-Eu tô tomando um que é natural e sem contra-indicações. É bom ele.
-Essas coisas viciam, por mais naturais que sejam. Eu já não vivo sem açúcar, quero mais depender de nada não.
-Entendo. Tenho que desligar.
-Certo, tchau.

Ele desliga e vai até o cômodo onde um homem aguarda, visivelmente aborrecido.
-Quem era no telefone?
-Uma amiga.
-Amiga?
-Aquela que te apresentei, do macarrão.
-Sei... O que queria?
-Avisar que em breve terá uma reunião de amigos na casa dela.
-Esse tempo todo só pra isso? Quando vai ser?
-Ela não disse, e também falou umas bobagens sobre estar mal, nada sério. Esqueça isso...

Ela encara o telefone e pouco depois leva o olhar ao pulso ensanguentado, talvez devesse ter comentado sobre isso. De toda forma seria apenas mais um problema, ele devia estar ocupado, afinal desligou com tanta pressa... Talvez devesse ligar novamente e dizer que havia bebido um pouco e que mesmo não gostando de remédios tomou uma cartela de um calmante comprado numa farmácia ilegal. Não importa agora. Sente os olhos pesados, talvez se acordar marque um dia para a macarronada.

-Apenas a macarronada é biográfica. ^^
Motivos e inspirações? Achei que seria irônica essa situação.

Um comentário:

Segundo o dicionário:

Devaneador, adj. e s. m. Que, ou aquele que devaneia; sonhador.

Devanear, v. tr. dir. Imaginar, fantasiar, sonhar; intr. delirar; dizer ou imaginar coisas sem nexo; desvairar; tr. ind. cuidar, pensar. (De de+lat. vanu.)

Devaneio, s. m. Ato de devanear; sonho; fantasia; delírio, divagação; quimera.
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