segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016
Meninas e Meninos
A cozinha pequena estava enevoada pelos vapores das panelas que borbulhavam e chiavam no preparo do almoço. A moça que ali se encontrava seguia cantarolando mesmo com os respingos de óleo, ela havia sorrido enquanto cortava as cebolas e desta vez não se incomodou com a gordura que ensebava sua mão. Hoje, sete de março, era seu aniversário.
Nas folhas abarrotadas do diário que guarda embaixo do colchão rabiscou planos e expectativas para essa data, esperava que seu namoro finalmente virasse noivado. Ela, Ana das Graças, se tornaria Ana Peixoto ainda esse ano, escreveu com caligrafia redonda e floreada.
Do outro lado da cidade Marcos Peixoto esbravejava maldições a todos os santos e demônios porque seguia perdendo no dominó. Depois que metade do seu dinheiro pagou as apostas e o resto foi bebido em cachaça levantou-se cambaleante do banquinho.
Ou me rogaram praga ou esse jogo está roubado, vou me benzer e da próxima trazer a peixeira. Após suas ameaças costumeiras ele saiu do Clube Gávea trôpego, era frequentador assíduo, mas acima de tudo um homem de rotina. Nunca lembrava de passar pela igreja e pedir a benção e a peixeira ficava esquecida atrás da porta. Anunciou com xingamentos a chegada em casa ao tropeçar no tapete da sala.
Menino, vai comer para esse álcool sair. Marcos ignorou a mãe e seguiu direto para o quarto, deitou sem se dar ao trabalho de tirar os sapatos. Hoje em nenhum momento falou o nome da namorada.
sábado, 13 de fevereiro de 2016
Malandro em Primeira Pessoa
Já estava escuro há
algumas horas quando começou a chover. Numa esquina mal iluminada por pálido
amarelo, me abriguei encostado numa ombreira à espera de um estio para que
pudesse seguir caminho, estou fumando o terceiro cigarro e abandono qualquer
esperança de chegar ao meu destino. O beiral não é grande o suficiente e os respingos
de chuva mancham a barra da minha calça de modo que é melhor visitar Madame
Hilda Venturini quando estiver mais alinhado. Não poderia caminhar por seu piso
de mármore sem que meu reflexo nele me mostrasse impecável, afinal boa
aparência é uma das poucas coisas que me restou e para mendigar desmazelado já
existe plena concorrência. Não querendo desperdiçar o paletó branco decido me
dirigir a um botequim, passei pela frente de um às pressas enquanto previa a
chuva. A mim, Cássio Amarante, nenhum bar ou boteco passa despercebido.
terça-feira, 2 de fevereiro de 2016
Entrelaços
O dia estava nublado, mas não havia sinais de chuva. No caminho
de terra que conectava a escola ao riacho uma menina andava de cabeça baixa chutando as pedrinhas que apareciam em sua frente, cada passo levantava uma pequena nuvem
de poeira e seus sapatos de boneca já perdiam o brilho da graxa preta. De
vestido cinza chumbo, blusa branca e cabelo metade trançado, ela trazia
apertado em sua mão um pedaço de fita amarela.
- Maria! - gritou ainda de longe a menina de cabelos soltos e mesmas vestes
que esbaforida estava correndo ao seu encontro. Tropeçou numa das pedras que foram movidas por Maria, mas nem assim conseguiu a atenção da outra.
Levantou-se tão depressa quanto caiu nem se prestando ao trabalho de espanar a
poeira do vestido, de faces vermelhas e cabelos agora desgrenhados tocou no
ombro de Maria antes de chama-la mais uma vez.
- Cecília, o que faz aqui?
Antes de responder Maria, Cecília abriu um sorriso e mostrou duas
fitas brancas.
- Vamos praticar como trançar juntas. A professora não vai se
importar com a cor da fita se a trança estiver perfeita.